O PARQUE | A rotação do amor
Atualizado: 15 de ago. de 2020
A falta de recursos de uma produção nem sempre é um limitador e, por vezes, serve para instigar ideias criativas dos autores para contornar a questão. O orçamento reduzido do francês O Parque (2016), obviamente, justifica o minimalismo utilizado por Daniel Manivel em quase todo seu segundo longa, mas igualmente faz com que ele se construa como uma obra completamente alegórica em sua aparente banalidade. Exibido no Festival de Cannes de 2016, justamente na ACID, seção paralela destinada a distribuidores independentes, o filme representa o ciclo de um relacionamento ao acompanhar o decorrer de um dia de verão em que dois adolescentes se encontram em um parque.
O dançarino, artista de circo e performer Manivel, que ganhou até Menção Especial no Festival de Locarno com seu début Um Jovem Poeta (2014), torna o local não só cenário como também personagem em uma metáfora do amor. Planos longos com a câmera fixa e a escolha pelo 3:4 como formato de tela denotam certo classicismo que fortalecem o aspecto universal que o cineasta e Isabel Pagliai, sua parceira de roteiro e diretora de fotografia, desejam dar à história encenada por Naomie Vogt-Roby e Maxime Bachellerie. A timidez do primeiro encontro está na busca por assuntos, com cada um buscando interesse nas matérias da escola, esportes e família para tentar criar uma intimidade que demora um tempo para vir, até na câmera, que distante nos primeiros minutos, se aproxima em closes quando o encantamento de um com outro é visível aos olhos – contudo, causa estranheza em relação à lenta naturalidade que a direção mantinha até então pela mudança abrupta de enquadramento.
O carinho, os beijos e a vontade de não se desgrudar à luz do dia, dá lugar ao desencontro de ideias dos dois sobre o que fazer adiante no entardecer. Não bastasse isso, a desilusão vem via mensagem de celular para a garota, que, ao dizer querer voltar atrás, “gira a chave” da narrativa que mergulha na escuridão da noite e do coração de sua protagonista, com ela literalmente andando para trás no caminho que percorreram naquele parque. O tom surrealista que o filme adquire a partir da sua segunda metade, praticamente um terceiro ato estendido, tem um toque de cinema de gênero que faz tantos recordarem da obra do tailandês Apichatpong Weerasethakul; porém, a fantasmagoria noturna daqui não é lendária ou folclórica e evoca fantasmas da realidade na figura do guarda (Sobéré Sessouma).
O momento etéreo encontra ecos na primeira metade naturalista, mais exatamente na conversa sobre Sigmund Freud e os significados buscados pelo “pai da psicanálise”, intensificando as alegorias que compõem todo o filme. Mesmo que Manivel não consiga ultrapassá-las e criar uma pulsão de vida, a qual quase atinge “durante o dia”, sua representação da saga diária da doçura e da dor de um amor só funciona por causa delas e da identificação com que, em maior ou menor grau, geram no espectador.
O Parque (Le Parc, 2016)
Duração: 71 min | Classificação: 12 anos
Direção: Damien Manivel
Roteiro: Damien Manivel e Isabel Pagliai
Elenco: Naomie Vogt-Roby, Maxime Bachellerie, Sobéré Sessouma (veja + no IMDb)
Distribuição: Zeta Filmes