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Foto do escritorNayara Reynaud

CONSTRUINDO PONTES | Do projeto à construção

Atualizado: 15 de ago. de 2020


Álvaro e Heloisa Passos em cena do documentário Construindo Pontes (2017) | Foto: Divulgação (Espaço Filmes)

Nada mais natural que as imagens de um antigo Super-8 tenham despertado, na renomada diretora de fotografia Heloisa Passos, o desejo de realizar o seu primeiro longa. Mas, desde o momento em que viu, naqueles filmes que abrem o seu trabalho autoral, os últimos momentos das Sete Quedas, às vésperas da gigantesca cachoeira ser alagada para a formação do lago para a Usina Hidrelétrica de Itaipu, em 1982, até o lançamento de Construindo Pontes (2017), muita água passou por debaixo dessa ponte, com o perdão do trocadilho. Como contou detalhadamente em entrevista ao NERVOS, a realizadora paranaense acabou levando o projeto, cujo foco inicial estava na história e no questionamento ambiental sobre Itaipu, para alguém responsável por construir obras de infraestrutura tão gigantescas quanto aquela: o seu pai, o engenheiro Álvaro Passos.

Essas mudanças são perceptíveis para o espectador, que observa o quanto o documentário escapa da idealização e das mãos da cineasta estreante, que já fotografou Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009), de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes; Lixo Extraordinário (2010), de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley; e Mulher do Pai (2016), de Cristiane Oliveira. Entretanto, as falhas de projeto da profissional que integra a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, como votante do Oscar, acabam criando uma obra diferente do esperado, mas, não por isso, menos significativa.

Se as divergências políticas são as diferenças mais sensíveis entre pai e filha, e a qual a narrativa faz questão de destacar, o filme não consegue estabelecer um debate consistente sobre o tema. O engenheiro que prosperou durante o regime militar, sendo responsável por grandes rodovias e ferrovias no Paraná, parece articulado ao defender o projeto de país do governo daquela época, mas ao chamá-lo de Revolução – algo não utilizado mais nem pelos próprios militares, hoje em dia –, passa por cima de todas as violações dos direitos humanos e problemas econômicos da Ditadura, como a cineasta denomina o mesmo período, em prol do progresso. Sem a mesma desenvoltura de Álvaro em frente às câmeras, Heloisa não consegue argumentar seu ponto de vista, especialmente no que condiz aos dias atuais, quando o projeto de país em que ela acredita também desmorona na tela da TV, com as acusações ao ex-presidente Lula.

No entanto, de um jeito torto, o documentário se torna um retrato da sociedade brasileira contemporânea, presa em um Fla x Flu político de discussões passionais e sem embasamento, que corrói até as estruturas familiares. É claro, porém, que as dificuldades de relacionamento entre os dois têm raízes mais profundas do que este campo e a obra se firma melhor como tratado psico-sociológico da relação e dominação hierárquica entre pai e filha – é sintomático, portanto, a presença de Belchior falando que prefere “andar sozinho” em Comentários a Respeito de John na trilha sonora. Nesta dinâmica entre micro e macrocosmo, a produção recorda um pouco o documentário O Futebol (2015) – segundo Helô, o documentário serviu de referência na montagem, enquanto outros, listados por ela na entrevista, foram inspirações iniciais –, em que o diretor Sérgio Oksman se reaproxima do pai durante uma Copa do Mundo de desilusão no Brasil, em 2014. No longa de Passos, por sua vez, o 7 a 1 continua e quem perde é a população.

Voltando à esfera pessoal, onde "família é o não dito", como afirma na narração em off, a diretora tem uma grande dificuldade de ultrapassar essa barreira invisível e alcançar seu personagem, apesar da pretensa intimidade. A insistência de Heloisa em tentar provocar uma epifania em Álvaro, a partir do mesmo ponto de partida dela, quase a faz perder o trem que, finalmente, estabelece uma forma de diálogo com o humano que habita junto com essa figura autoritária que ela teme, fazendo de Construindo Pontes também um exercício fílmico sobre o ato de documentar e suas armadilhas. A ponte construída que serve de metáfora visual e emocional para o filme pode não impedir que as acaloradas discussões continuem entre pai e filha, mas faz ambos encontrarem, seja nos inúmeros vagões ou no pôr-do-sol, uma beleza em comum.

 

Construindo Pontes (2017)

Duração: 72 min | Classificação: Livre

Direção: Heloisa Passos

Roteiro: Heloisa Passos, Letícia Simões e Stefanie Kremser (veja mais da equipe técnica)

Produção: Maquina Filmes

Distribuição: Espaço Filmes

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