PEDRO COELHO | De menino a jovem coelho travesso
Atualizado: 11 de ago. de 2020
Alguém desavisado pode achar que Pedro Coelho (2018) seja apenas um filme criado para este tempo de Páscoa. Embora, obviamente, se beneficie do período para ganhar o público neste período, apenas pela imagem do “animal pascal” sem fazer nenhuma referência a isso, as origens deste coelho bem levado estão nos livros publicados há mais de um século – a primeira história foi publicada em 1902 – pela escritora e ilustradora inglesa Beatrix Potter que se tornaram um clássico da literatura britânica e também mundial. Talvez, alguns não se lembrem pelo nome, mas irão reconhecer, ao ver desenhados na tela em um flashback, os traços tradicionais dele e de outros personagens das páginas literárias ou do antigo desenho animado que chegou a passar na TV Cultura.
Esse vislumbre vintage contrasta com todo o resto da produção que mistura animação 3D com live action, em uma integração tão bem feita, assim como as adaptações de outro clássico infantil compatriota, As Aventuras de Paddington (2014) e sua recente sequência Paddington 2 (2017), que não distrai a plateia. Tal qual as versões do amável urso peruano em Londres para o cinema, há uma modernização da história para os dias atuais, mas bem mais acentuada que o manejo bem equilibrado dos filmes de Paul King em manter a gentileza de Paddington ao tratar direta ou indiretamente de temas contemporâneos. Mais perto do espírito rebelde de sua aclamada comédia adolescente A Mentira (2010) do que da sacarina do malfadado remake musical Annie (2014), Will Gluck dá um tom mais cartunesco, juvenil e malicioso à Pedro Coelho, sem que isso deixe de atingir seu público-alvo: as crianças, do século XXI, e seus pais, que também foram no século passado.
Na trama das telas, Pedro Coelho (originalmente dublado por James Corden), ao lado de seu inseparável primo Benjamin (voz de Colin Moody) e de suas irmãs trigêmeas Flocos, Flux e Rabo-de-Algodão (vozes de Margot Robbie, Elizabeth Debicki e Daisy Ridley, respectivamente), vivem, sem os pais, já falecidos, em uma toca na árvore ao lado da casa da simpática artista plástica e desenhista Bia (Rose Byrne), cujo nome é uma clara referência à autora dos livros. No entanto, continuam a invadir a horta do Sr. Severino (Sam Neill, irreconhecível) para se fartar com os vegetais plantados pelo rabugento vizinho. A rabugice, porém, parece ser de família: quando os animais da região bucólica acham que não só a plantação como toda a casa está liberada para eles, eis que chega ao lugar o sobrinho, que antes nem sabia da existência deste tio, Tomás Severino (Domhnall Gleeson, de cabelos mais escuros e postura mais descontraída) com sua mania por limpeza e organização, vindo de Londres. Logo, ele cria uma picuinha com Pedro e seus amigos, que ambos tentam esconder de Bia, por quem o recém-chegado se encanta e o coelho nutre um sentimento materno, mas que se torna descontrolável por parte dos dois.
A rivalidade entre eles recorda clássicos embates, como os de Tom e Jerry ou Coyote e Papa-Léguas, seja no tom ou no crescente da escalada narrativa, com o humor físico chegando a níveis cartunescos, de forma mais evidente, nos personagens “em live action” do que nos animados, sem que se torne exagerado ou inconveniente ao público infantil. Há também uma sequência típica de festa descontrolada de adolescentes ou de fraternidade, além de uma trilha sonora indie rock, com a música principal sendo composta por Ezra Koenig, vocalista do Vampire Weekend, também presente na seleção, dando um ar juvenil, embora tenha até a banda escocesa oitentista Big Country. Aliás, as versões das músicas originais das cópias dubladas que serão exibidas aqui no Brasil são interpretadas pelo grupo Rouge, soando integradas com o ambiente. Na piada sobre a alergia, por exemplo, há o sarcasmo e rebeldia que as gerações anteriores estavam mais acostumadas na programação infantil, enquanto o cômico galo lidando com as dificuldades de o Sol nascer toda a manhã e de ser pai converse diretamente com os adultos.
É claro que esta modernização deve desagradar àqueles que esperavam uma transcrição fiel do trabalho de Potter, porém, Gluck faz uma adaptação que propõe uma evolução daqueles personagens, dentro de uma lógica moderna. Contudo, a moral que se espera de um filme infantil ou para toda a família está em Pedro Coelho na transformação de seus protagonistas. Ainda assim, a própria obra não se leve tão a sério e, em sua metalinguagem, até brincando: “se fosse outro filme...”.
Pedro Coelho (Peter Rabbit, 2018)
Duração: 95 min | Classificação: Livre
Direção: Will Gluck
Roteiro: Rob Lieber e Will Gluck, baseado nos personagens e contos de “Pedro Coelho”, de Beatrix Potter
Elenco: Domhnall Gleeson, Rose Byrne, Sam Neill e Marianne Jean-Baptiste, com vozes originais de James Corden, Colin Moody, Margot Robbie, Elizabeth Debicki, Daisy Ridley e Sia (veja + no IMDb)
Distribuição: Sony Pictures