MARIA MADALENA | A apóstola
Atualizado: 11 de ago. de 2020
Após a projeção de Maria Madalena (2018), as dúvidas entre os colegas quanto à ideia dela como uma prostituta ou se ela não seria àquela mulher apedrejada dos Evangelhos deixam claro valor do filme de Garth Davis para desmistificar a imagem popularmente deturpada, desde o Papa Gregório I, que se tem da mulher que foi a primeira testemunha da ressurreição de Jesus Cristo e, hoje, é considerada “A Apóstola dos Apóstolos” pela mesma Igreja Católica.
Primeiro grande lançamento nos cinemas totalmente dedicado ao capítulo mais importante do Cristianismo, desde o enorme sucesso de A Paixão de Cristo (2004), do polêmico Mel Gibson, o longa vem justamente neste tempo de Quaresma e Páscoa trazer esta passagem pelo ponto de vista de Maria Madalena. E o roteiro de Helen Edmundson, vinda de telefilmes ingleses, e Philippa Goslett, que roteirizou a adaptação cinematográfica How to Talk to Girls at Parties (2017), faz questão de não só prestigiar alguém que sempre foi menos do que uma coadjuvante nas narrativas bíblicas, mas também a visão feminina de uma história escrita por homens – e sem teorias da conspiração a la Dan Brown. No entanto, a Paixão em si é deixada em último plano, tendo pouco tempo de tela em uma produção que igualmente foge de estéticas ou estruturas comuns de blockbusters.
Nesta produção multinacional, rodada no sul da Itália para emular a Judeia, Galileia e Samaria do ano 33 d.C, com um elenco internacional e trazendo a última trilha sonora assinada pelo islandês Jóhann Jóhannsson, falecido em 9 de fevereiro deste ano, o cineasta australiano foge de uma grandiloquência épica ou de uma artificialidade milagrosa. Ao contrário, Davis, que teve Lion – Uma Jornada para Casa (2016) como seu début em longas e codirigiu a primeira temporada da minissérie Top of the Lake (2013-), busca travar um diálogo pessoal com o público, desde a opção pela câmera na mão até a sobriedade da paleta de cores na direção de fotografia, novamente em companhia de Greig Fraser, design de produção de Fiona Crombie e arte de Cristina Onori. Os tons em creme e pastéis das habitações e túnicas se mesclam às cores de areia, terra e pedras nesta mensagem “pé no chão”.
Repetindo também a parceria com Rooney Mara, que estava no filme anterior e deve estrelar o próximo dele, o diretor coloca a atriz norte-americana na pele desta Maria, do povoado de Magdala, que se sente diferente dos demais e não se encaixa nas convenções vigentes, sendo por isso recriminada pela própria família, especialmente pelo superprotetor e agressivo irmão Daniel (o francês Denis Ménochet, que fez o pai de Custódia, destaque da última Mostra) em contraste ao temeroso pai (o turco Tchéky Karyo). De certo modo, essa perseguição por tão pouco relembra a ideia de atribuir à bruxaria qualquer comportamento feminino considerado estranho desde a Inquisição medieval ao puritanismo pregado por radicais da Reforma Protestante e levado até as colônias, vide A Bruxa (2015). A ideia de luta contra uma sociedade patriarcal deste primeiro ato em sua terra natal, com a jovem indo sozinha ao templo no momento não permitido ou em sua recusa em se casar, não vem adornada por uma rebeldia escandalosa, mas por uma resistência quase silenciosa, que encontra a usual contenção de Mara como excelente veículo. É possível dizer até que a atuação dela, estando em um terreno mais seguro, apresenta mais do que o comum esta sua expressividade sutil, criando empatia com o espectador.
Não se pode dizer o mesmo, porém, do Jesus de Joaquin Phoenix – que, depois destas filmagens, tem um relacionamento real com Rooney. A fragilidade buscada pela obra para uma figura tão mítica até começa a aproximá-lo da plateia, como a direção até frisa no momento em que Ele se revolta com os cordeiros vendidos no templo que se transformou em um centro de comércio, também o afligindo com a lembrança de que Cristo será o “Cordeiro Imolado” para salvar a humanidade. Contudo, não há a humildade esperada para quebrar essa barreira desta nova versão do Messias.
Aliás, é a ideia de que Jesus seria o libertador dos judeus em uma possível revolução contra a opressão dos romanos guia os apóstolos retratados aqui. O inglês Chiwetel Ejiofor dá severidade a Pedro, utilizado por vezes como um antagonista de Maria Madalena. Mas é na representação do conhecido traidor Judas Iscariotes, interpretado pelo francês de ascendência argelina Tahar Rahim, de O Profeta (2009), como alguém que buscava desesperadamente despertar o Jesus messiânico, que a obra, essencialmente feminista, mostra sua preocupação em humanizar todos seus personagens.
Maria Madalena (Mary Magdalene, 2018)
Duração: 120 min | Classificação: 12 anos
Direção: Garth Davis
Roteiro: Helen Edmundson e Philippa Goslett
Elenco: Rooney Mara, Joaquin Phoenix, Chiwetel Ejiofor, Tahar Rahim, Ariane Labed, Denis Ménochet, Lubna Azabal, Tchéky Karyo, Hadas Yaron, Ryan Corr, Irit Sheleg, Jacopo Olmo Antinori, Roy Assaf, Charles Babalola e Tawfeek Barhom (veja + no IMDb)
Distribuição: Universal Pictures
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