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Foto do escritorNayara Reynaud

MUDBOUND – LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPPI | Sonhos enlamaçados

Atualizado: 6 de ago. de 2020


Jason Mitchell e Garrett Hedlund em cena do filme Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississippi (Mudbound, 2017) | Foto: Divulgação (Diamond Films)

A luta dos negros por direitos civis nos Estados Unidos, a partir de meados da década de 1950 e com seu ápice durante os anos 1960, vez ou outra ganha destaque nas telas, não só pelo seu caráter histórico, mas por sua reverberação sempre atual em um país que não consegue se desvencilhar dos grilhões do racismo. Estrelas Além do Tempo (2016), de Theodore Melfi, e Selma: Uma Luta pela Igualdade (2014), de Ava DuVernay, são só alguns exemplos recentes que figuraram nas últimas temporadas de premiações em que o período serve de contexto ou movimenta a narrativa.

Na atual, o representante deste filão é Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi (2017), só que o longa de Dee Rees, contudo, retorna a uma das sementes do movimento por igualdade. Ao terem um papel tão fundamental quanto os brancos na II Guerra Mundial e estarem em uma Europa que, aparentemente, não os discriminava, os combatentes afro-americanos voltaram para casa ainda imbuídos do espírito de luta e não querendo mais baixar a cabeça. No entanto, a violência que uniu estes homens no campo de batalha também os separa quando retornam a uma nação presa a leis de segregação e extremismo com a Ku Klux Klan.

É este cenário que ilustra a adaptação do livro homônimo de Hillary Jordan, centrada no que une e naquilo que separa duas famílias, a proprietária e branca McAllan e a arrendatária e negra Jackson, em um desolador Delta do Mississippi. Logo após a fúnebre abertura, a narrativa volta ao ano de 1939, para mostrar como Laura (Carey Mulligan), acostumada com a vida urbana, conheceu e se casou com Henry McAllan (Jason Clarke), tendo de seguir o sonho infantil e ingênuo do marido de ter sua própria fazenda, enquanto nutre uma admiração mútua com o charmoso e impetuoso cunhado Jamie (Garrett Hedlund). O rapaz foi chamado para servir o país após o ataque japonês em Pearl Harbor, assim como Ronsel Jackson (Jason Mitchell), o filho mais velho de Hap (Rob Morgan) e Florence (Mary J. Blige, a cantora e rapper que recebeu tanto a indicação ao Oscar como Atriz Coadjuvante pela atuação surpreendente quanto pela música Mighty River), que há anos cuidam das terras então compradas por Henry e guardam suas economias para terem seu próprio terreno.

Quando o conflito mundial tem seu fim, Jamie e Ronsel retornam para casa, compartilhando seus traumas de guerra, seja nos ares, como no caso do primeiro, ou em terra dentro de um tanque, a exemplo do segundo. A amizade criada entre eles é fruto da mesma empatia que surge na dor materna entre Florence e Laura. Entretanto, nesse Mississippi que chora em sua chuva constante e enterra na lama gerada por ela muitos sonhos dos personagens, o preconceito é como a sujeira difícil de sair e tem seu maior expoente com o irreprimível patriarca dos McAllan, Pappy (Jonathan Banks).

Embora o roteiro adaptado por Virgil Williams, roteirista de séries de TV, e pela própria diretora se debruce muito no off confessional como muleta narrativa, a sua partilha entre os variados pontos de vistas entre os personagens, negros, brancos, mulheres ou homens o enriquece; tanto que recebeu a indicação ao Oscar de Roteiro Adaptado e tornou Dee Rees a primeira mulher negra a ser indicada na categoria. A cineasta, que estreou transformando seu curta em longa no saga de uma adolescente e suas descobertas sexuais em Pariah (2011) e fez o premiado telefilme Bessie (2015), cinebiografia da cantora "Imperatriz do Blues" Bessie Smith, também traz na direção certa segurança e a destreza para lidar com o melodrama intrínseco na trama e que se acentua no clímax. Ao lado da excelente fotografia de Rachel Morrisson, que também conseguiu o feito inédito de ser a primeira diretora de fotografia indicada ao prêmio da Academia – a dupla comprovando que o machismo e o racismo presentes no filme não são "de época" –, a lente da câmera capta detalhes, desde o céu poente às construções decadentes, passando pela sujeira real e estética na paleta de cores demarcando visualmente a fala de Laura de que "sonhava em marrom", além da desolação ali latente. Sorte do público brasileiro que ganhou o presente de ver esse apuro visual de Mudbound nas telas do cinema, já que a produção é originalmente do Netflix.

 

Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi (Mudbound, 2017)

Duração: 134 min | Classificação: 16 anos

Direção: Dee Rees

Roteiro: Virgil Williams e Dee Rees, baseado no livro “Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi” de Hillary Jordan

Elenco: Carey Mulligan, Garrett Hedlund, Jason Mitchell, Mary J. Blige, Jason Clarke, Rob Morgan, Jonathan Banks, Kerry Cahill e Kelvin Harrison Jr. (veja + no IMDb)

Distribuição: Diamond Films

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