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Foto do escritorNayara Reynaud

SEM FÔLEGO | O encantamento do cinema

Atualizado: 5 de ago. de 2020


Millicent Simmonds em cena do filme Sem Fôlego (Wonderstruck, 2017), de Todd Haynes | Foto: Divulgação (H2O Films)

Em um primeiro momento pode até parecer estranha a união do autor do livro homônimo que deu origem à fantasia cinematográfica A Invenção de Hugo Cabret (2011) com o diretor de obras tão experimentais e, por assim dizer, adultas como Mal do Século (1995) e Não Estou Lá (2007). Porém, a história de Brian Selznick sobre duas crianças de 12 anos cujas trajetórias separadas por 50 anos de existência se mostram quase que magicamente interligadas é a plataforma perfeita para Todd Haynes, reconhecido justamente pelo seu prazer e competência em fazer mais do que filmes de época, obras que realmente parecem serem rodadas naquele momento retratado, a exemplo de Longe do Paraíso (2002) e Carol (2015).

Com as tramas paralelas de Rose em 1927 e Ben em 1977, Sem Fôlego (2017) permite ao cineasta um exercício estilístico duplo de serventia não meramente estética. Se todo o segmento da garota que foge de um rico e austero lar em Nova Jersey emula o cinema-mudo dos anos 20, com a teatralidade e planos que lhe são peculiares – além da bela fotografia em preto & branco de Edward Lachman, que exigiu a encomenda de películas especiais em 35mm –, cabe à melancolia da personagem e, principalmente, à sua condição, já que é deficiente auditiva desde o nascimento, tal qual sua intérprete, a estreante e expressiva Millicent Simmonds. Por sua vez, Oakes Fegley de Meu Amigo, O Dragão (2016) dá vida ao garoto que deseja sair de perto dos lagos congelados e lobos de Gunflint, em Minnesota, onde se sente deslocado desde a morte da mãe (Michelle Williams), e que também fica surdo após um acidente e parte para o mesmo destino de Rose. Só que os olhos de Ben e do público encontram a Nova York pulsantes dos anos 70, evocando a cidade capturada por Martin Scorsese em Taxi Driver (1976) e William Friedkin em Operação França (1971).

Enquanto cada uma das crianças sai e percorre Manhattan em busca de determinada pessoa, o caminho dos dois se torna cada vez mais intricado, narrativa e visualmente, culminando em ambos se aventurando pelo Museu Americano de História Natural, cenário do primeiro Uma Noite no Museu (2006). Aqui, no entanto, a visita é menos agitada e cômica e bem mais inocente, tensa e introspectiva. Não se trata de um entretenimento fácil como este ou até mesmo Hugo Cabret e o filme exige certa paciência do espectador, como até uma personagem chega a falar, quando o público já está enredado pela trama.

Isso porque Sem Fôlego se comunica de uma forma muito mais sensorial com a plateia. Se, como fica claro depois, Rose tem motivos pessoais para admirar a grande atriz Lillian Mayhew (Julianne Moore, em sua quarta parceria com Haynes e encarnando dois papéis), a menina também encontra na tela do cinema uma comunicação que não experimenta na vida real. A forma como a entrada do som na sétima arte modificou a sua relação com a comunidade surda foi uma das inspirações de Selznick, que, ao adaptar seu livro homônimo no longa-metragem, deixa a estrutura narrativa se sobressair ao desenvolvimento da trama e dos personagens e entrega uma resolução folhetinesca.

As lacunas do roteiro são supridas por outros elementos, como a importância que a imagem naturalmente ganha nesta história, a procura por pertencimento que move os personagens e a mensagem transcendental de que, na falta de um sentido, é preciso ver o mundo ao seu redor, com os olhos e o coração. Curiosamente, porém, a trilha sonora de Carter Burwell, indicado ao Oscar deste ano pelo trabalho em Três Anúncios Para um Crime (2017), é fundamental ao filme em sua sonoridade pueril e dramática, assim como a versão de Space Oddity, de David Bowie, pelo The Langley Schools Music Project nos créditos finais estilizados trazem aquele ponto de exclamação que Haynes não consegue entregar desta vez. As nuances agridoces do arranjo e do coro de crianças, guiadas em 1976 e 77 pelo professor de música canadense Hans Fenger – cujo trabalho e gravações se tornariam cults mais de duas décadas depois, inspirando o clássico vespertino Escola de Rock (2003) –, completam o quebra-cabeças de Sem Fôlego e levam à tona este sentimento de se sentir maravilhado ou wonderstruck, como diz o título original, que nenhuma palavra é capaz de traduzir.

 

Sem Fôlego (Wonderstruck, 2017)

Duração: 116 min | Classificação: 10 anos

Direção: Todd Haynes

Roteiro: Brian Selznick, baseado no livro “Sem Fôlego” de Brian Selznick

Elenco: Oakes Fegley, Millicent Simmonds, Julianne Moore, Michelle Williams, Jaden Michael, Cory Michael Smith, Tom Noonan, Morgan Turner, James Urbaniak, Damian Young, Amy Hargreaves, Sawyer Nunes e Raul Torres (veja + no IMDb)

Distribuição: H2O Films

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