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Foto do escritorNayara Reynaud

A MARAVILHOSA SRA. MAISEL | Invertendo o lado da piada

Atualizado: 24 de fev. de 2021


Rachel Brosnahan em cena da primeira temporada da série de comédia Maravilhosa Sra. Maisel (The Marvelous Mrs. Maisel, 2017-) | Foto: Divulgação (Amazon Prime Video)

Estreando já no final do ano na Amazon, serviço de streaming cujos lançamentos não ganham tanto o burburinho – às vezes exagerado – da concorrente Netflix, The Marvelous Mrs. Maisel (2017-), ou simplesmente A Maravilhosa Sra. Maisel na tradução brasileira, acabou ganhando a atenção do público a partir das indicações ao Globo de Ouro 2018. Reconhecida na premiação pelo trabalho de Rachel Brosnahan na pele da protagonista Miriam Maisel e como uma das melhores séries cômicas da temporada, a produção que acompanha uma comediante iniciante na cena stand-up da Nova York dos anos 1950 é mais uma comédia dramática sobre uma jovem dona de casa que, após uma inesperada separação, descobre um propósito de vida realmente seu, que não envolva ser apenas filha, esposa e mãe.

Filha do comediante Don Sherman, Amy Sherman-Palladino segue em seu novo trabalho a mesma lógica que rege a comédia: o famoso “timing”. Se muitas vezes o ritmo é rápido e frenético, com a metralhadora de diálogos e referências já conhecida pelos fãs de Gilmore Girls: Tal Mãe, Tal Filha (2000-07), série também criada por Amy e com produção de Daniel Palladino, assim como “Midge” logo aprende que é preciso uma pausa para esperar a risada do público e valorizar a piada ainda mais, também é necessário aqui todo o drama da protagonista para que o fato dela “rir da própria desgraça” ganhe mais peso.

Enquanto o piloto da série se dedica a apresentar como havia sido até então os 26 anos de vida desta moça judia do Upper West Side, os outros sete episódios desta primeira temporada acompanham Miriam indo morar com os dois filhos na casa dos pais, tentando lidar com Joel (Michael Zegen) após o término, conhecendo o mundo além do rico bairro nova-iorquino e em uma jornada para se tornar uma comediante após invadir o palco do The Gaslight Café para contar sobre sua traumática separação. Isso significa que, apesar do raro talento, visto imediatamente pela gerente do café, Susie Meyerson (Alex Borstein), é necessário estudar, enfrentar fracassos e plateias difíceis, para se aprimorar e extrair até o improviso em qualquer performance cômica.

Midge pode ser uma personagem fictícia, mas, tal qual o bar que vira sua segunda casa, outras figuras reais da época, como o comediante Lenny Bruce (Luke Kirby) e Jack Paar e seu programa são lembrados na produção. A protagonista não é a primeira na arte de fazer piada – sendo que as mulheres constantemente são alvos delas – nem na trama, em que Jane Lynch encarna uma diva da comédia no sétimo episódio, nem na realidade, em que Lucille Ball seria sua contemporânea e traria na sua esteira Carol Burnett e Joan Rivers, ficando só nos nomes mais conhecidos no Brasil. No entanto, a sensação de que ela é uma pioneira a segue e destaca como a resistência e preconceito enfrentada pelas comediantes ainda existia em 1958 ou sessenta anos depois.

Mesmo em uma trama e cenário completamente diferentes – este último, por sinal, recorda a ambientação de Mad Men (2007-15) –, a atração possui os elementos comuns da outra consagrada produção da dupla Palladino, trazendo a família, conflitos geracionais e até um pouco das diferenças sociais em seu roteiro, e amplia particularmente as questões de gênero já presentes na história de Lorelai e Rory, com o protagonismo feminino na relação de uma mãe solteira e sua filha que marcou Gilmore Girls. Moldada para o feminismo mais declarado dos tempos atuais, quando A Maravilhosa Sra. Maisel parece derrapar no próprio discurso na sua season final – não pelo fato de seguir seus sentimentos que, no caso, exige certa coragem, mas por dar a entender que a personagem voltaria aos velhos hábitos –, deixa claro no final que a sua protagonista mantém suas prioridades.

Essa curva dramática complexa dela oferece as ferramentas para Rachel Brosnahan construir uma maravilhosa Sra. Maisel em seu carisma e sagacidade. Surgindo para muitos como um “clone da Evan Rachel Wood”, no decorrer de sua participação como a prostituta fugitiva de House of Cards (2013-) em três temporadas, ela conseguiu papéis em filmes como Horas Decisivas (2016) e O Dia do Atentado (2016) e na série de Woody Allen Crisis in Six Scenes (2016), com sua primeira protagonista na TV e mergulhando na comédia, a atriz aproveita a chance de ir além do que a audiência já conhecia dela, marcando seu nome, rosto e talento na memória do público. Ao seu lado, está Borstein como a misantropa Susie aprendendo a ter uma amizade enquanto gerencia a carreira da novata comediante, Tony Shaloub e Marin Hinkle na pele dos pais de Midge, cujas diferentes preocupações em relação à nova situação da filha afetam sua rotina entre os destaques de um elenco afiado no ping-pong dos diálogos e até em tipos caricaturais que servem ao roteiro tanto quanto os estereótipos desconstruídos por ele.

A fluidez do texto de Amy Sherman-Palladino é consistentemente seguida em outros aspectos de A Maravilhosa Sra. Maisel, desde a direção e fotografia guiadas por uma steadycam que cria uma mise-en-scène circular a montagem que une passado e presente naturalmente em uma sequência ou até na mesma cena, usando cartelas e caracteres informando mudanças temporais em somente duas ocasiões. Não é uma série de tirar gargalhadas, mas risos que alimentam no espectador o encanto pelos personagens e a ansiedade pelos próximos passos deles e da produção, que já tem uma segunda temporada garantida.

 

A Maravilhosa Sra. Maisel (The Marvelous Mrs. Maisel, 2017-)

Série | 1ª temporada: 8 episódios, a partir de 29 de novembro de 2017

Direção: Amy Sherman-Palladino, Daniel Palladino e Scott Ellis

Criação: Amy Sherman-Palladino | Roteiro: Amy Sherman-Palladino, Daniel Palladino e Sheila R. Lawrence

Elenco: Rachel Brosnahan, Alex Borstein, Michael Zegen, Marin Hinkle, Tony Shalhoub, Bailey De Young, Luke Kirby, Matilda Szydagis, Matteo Pascale, Nunzio Pascale, Kevin Pollak, Caroline Aaron, Brian Tarantina, Holly Curran, Joel Johnstone, Erin Darke, Lilli Stein e Wakeema Hollis | Participações especiais: David Paymer, Nate Corddry, Wallace Shawn, Max Casella e Jane Lynch (veja + no IMDb)

 

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