EXTRAORDINÁRIO | Em defesa da empatia
Atualizado: 26 de nov. de 2020
Era um garoto que, como tantos outros de 10 anos – incluindo o seu intérprete Jacob Tremblay –, amava Star Wars e Minecraft. Porém, ver isso de comum com August Pullman ou o que ele tem de Extraordinário (2017), como expressa o título da adaptação do livro homônimo de R.J. Palacio, é algo difícil para seus novos colegas de escola. Embora o menino que sempre fora educado em casa não passe despercebido naquele ambiente escolar inédito para ele, Auggie está longe de ser realmente “visto” além da deformação facial que o acompanha desde o nascimento.
Levar o público a enxergá-lo, portanto, é uma tarefa que o cineasta Stephen Chbosky executa já com a experiência demonstrada em As Vantagens de Ser Invisível (2012), quando adaptou o seu próprio best-seller adolescente para as telas e mostrou seu incomum interesse na vida aparentemente ordinária de pessoas que nada tem de ordinário, mas que continuam deslocadas do grupo em que estão inseridas. Na sua direção e no roteiro, escrito ao lado de Steven Conrad, responsável por outro Major Tom sonhador em A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), e Jack Thorne, que apresentou o quarteto fora do eixo de Uma Longa Queda (2014), há um cuidado para evitar ser condescendente com o protagonista, assim como o próprio, mesmo sofrendo ao ser vítima de bullying, consegue rir de si mesmo. O esforço para não ser piegas, porém, não seria suficiente se o longa centrasse apenas em Auggie para construir o seu bem-humorado drama familiar e escolar.
Como toda família em que um dos membros passa por algum problema de saúde e tem as atenções voltadas para ele, Isabel (Julia Roberts) e Nate (Owen Wilson) passaram a viver em função de seu filho e, inconscientemente, negligenciaram a filha mais velha. Izabela Vidovic, o achado extraordinário da produção que conta com um elenco coeso, dá vida à Olivia, ou simplesmente Via, uma adolescente sofrendo com a sua volta para a escola e as surpresas do primeiro dia, além de ainda sentir a perda da vó e confidente, interpretada por Sonia Braga em um rápido flashback. Dar voz a essa figura da(o) irmã(ão) esquecida(o) dá uma nova perspectiva ao filme, que adota a mesma estratégia do livro de apresentar a história também pelo ponto de vista de outros personagens, como da amiga que se afastou repentinamente dela, Miranda (Danielle Rose Russell), e do menino bolsista que mais se aproximou de Auggie, Jack Will (Noah Jupe).
Juntos, esses quatro retratos cotidianos – não à toa, Our Town (Nossa Cidade), com a sua rotina de uma fictícia cidade criada por Thornton Wilder, é a peça encenada pela turma de teatro de Via – mostram que o ambiente escolar é complicado socialmente para todos, ainda que de maneiras diversas. Conviver com pessoas tão diferentes, fazer novos amigos, tentar se ajustar a um grupo, a necessidade de ser popular, lidar com o bullying ou se ver praticando-o são coisas que perpassam esse período, que já é conturbado por si só, mas que são necessárias para a formação do indivíduo e que, como o filme reforça desde a presença na trilha sonora de We're Going to Be Friends e sua nostalgia do colégio, pode ser benéfica e prazerosa.
A canção do The White Stripes, aliás, é repetida mais uma vez em outra versão no terceiro ato, em um indício do principal deslize da obra: a sua insistência, que se torna maior ao final, em praticamente “desenhar” algumas coisas através do texto, da direção e da montagem. É possível ser condescendente com a tradução tão convencional, com cartela e narração em off, da divisão em capítulos de cada personagem no livro por causa da dinâmica que dá à narrativa, mas o didatismo justificado para o público infanto-juvenil, não encontra desculpas quando um clipe de imagens de cenas anteriores é posto quase como um marca-texto sobre uma fala já bem direta sobre a moral do filme. Uma conversa importante que acontece através do Minecraft, fala mais diretamente a esta nova geração, que pode muito bem compreender o que fica implícito quando a mãe de Jack fala ao filho que Auggie é “o menino da sorveteria”, em alguns dos momentos mais eficientes do longa.
O desfecho extraordinariamente comum ao gênero em nada lembra a delicadeza de Chbosky ao pontuar que todos podiam se sentir heróis nos momentos mais ordinários da vida, ao som de David Bowie na cena final de As Vantagens de Ser Invisível. No entanto, esses deslizes não tiram a sensação boa que Extraordinário provoca em seu exercício de empatia tão necessário para estes tempos, de se colocar no lugar dos outros e, consequentemente, olhar para si mesmo. Ao final, o público escolherá ser gentil, ao menos, com o filme.
Extraordinário (Wonder, 2017)
Duração: 113 min | Classificação: Livre
Direção: Stephen Chbosky
Roteiro: Stephen Chbosky, Steven Conrad e Jack Thorne, baseado no livro “Extraordinário” de R.J. Palacio
Elenco: Jacob Tremblay, Izabela Vidovic, Julia Roberts, Owen Wilson, Noah Jupe, Danielle Rose Russell, Bryce Gheisar, Mandy Patinkin, Millie Davis, Elle McKinnon, Daveed Diggs, Ty Consiglio e Sonia Braga (veja + no IMDb)
Distribuição: Paris Filmes