ALGO DE NOVO | Uma comédia romântica de iniciantes
Atualizado: 6 de jul. de 2020
Tal qual suas protagonistas, que de pronto rejeitam a situação “absurda” – como elas mesmo classificam – em que estão se metendo, mas tão cedo estão envolvidas nela, o público se deixa levar por Algo de Novo (2016), apesar de já prever pelo início o que virá desta comédia romântica italiana. Sim, é inevitável o trocadilho de que não há nada de novo neste filme que esteve na última edição do festival 8½ Festa do Cinema Italiano. Mas a honestidade ao lidar com os clichês e o timing cômico para usar estereótipos e, por vezes, desviar dos mesmos conferem certo frescor ao novo trabalho de Cristina Comencini.
Baseado na peça da própria diretora, La Scena, o roteiro de Comencini, escrito ao lado de Giulia Calenda e da atriz Paola Cortellesi, acompanha as desventuras de duas amigas de longa data em seus quarenta anos de idade. Lucia, vivida pela própria Cortellesi, encarna o papel da mulher fria e frígida, separada e que não consegue se relacionar com homens, enquanto Maria (Micaela Ramazzotti) encontra muitos apenas por sexo casual, sem conseguir que um deles se torne um companheiro em potencial para si e os dois filhos desta mãe solteira. Só que ao se envolverem com Luca (Eduardo Valdirnini) um jovem da idade que tinham ao se conhecerem desde os tempos de liceu – equivalente ao ensino médio daqui –, um mal-entendido, sustentado por Lucia e Maria depois, faz as duas trocarem de papel, encarnando a persona da outra, e começarem um triângulo amoroso sem saber.
A rapidez do texto teatral nas telas envolve e logo distrai o público dessa caracterização pueril inicial de ambas. E esse processo de desconstrução das protagonistas acaba sendo benéfico para criar empatia com elas. Se Cortellesi trabalha bem essa curva em Lucia desde o começo, a afetação que Ramazzotti dá à Maria nas primeiras cenas faz com que o espectador demore a acreditar na personagem até essa virada.
Ao mesmo tempo, pesa o fato de um homem ser a chave para essa autodescoberta delas. Apesar de brincar com a maturidade feminina precoce em relação aos homens, o filme iguala todos no que tange ao amor. Tanto o garoto de 19 anos quanto as amigas com mais de o dobro de sua idade são iniciantes nesta matéria, como já expressa em seu título, Absolute Begginers, canção de David Bowie que toca em uma sequência que acompanha o relacionamento de Luca com cada uma delas.
A montagem de Francesca Calvellisitua e diferencia, nesse e em outros momentos, a dinâmica dele com as duas no mesmo ambiente, sendo um dos poucos destaques técnicos da produção. O que não deixa de ser decepcionante, porque o filme não está nas mãos de nenhuma iniciante. Com uma longa carreira na televisão e no cinema, Comencini tem no currículo até uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, com Segredos do Coração (2005).
No entanto, a cineasta não deixa de abordar algumas questões pertinentes em meio à aparente frivolidade da história. Os filhos de Maria não aparecem em cena durante o longa, mas as crianças não precisam estar lá para se questionar sua eficiência como mãe, assim como a diferença do peso da maternidade para as mulheres em comparação à paternidade, tão facilmente negligenciada por alguns homens, surge no passado de alguns personagens. A autocensura de Lucia e Maria ao se relacionarem com alguém tão mais novo vem da sociedade, seja pelos conselhos "podadores" de uma amiga ou pelo rigor e palavras duras de uma mãe, mas a obra, apesar de zombar a situação, evita seguir por esse caminho conservador no último segundo.
Algo de Novo (Qualcosa di nuovo, 2016)
Duração: 93 min | Classificação: 14 anos
Direção: Cristina Comencini
Roteiro: Cristina Comencini, Giulia Calenda e Paola Cortellesi, baseado na peça “La Scena” de Cristina Comencini
Elenco: Paola Cortellesi, Micaela Ramazzotti, Eduardo Valdarnini e Eleonora Danco (veja + no IMDb)
Distribuição: Espaço Filmes