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Foto do escritorCauê Petito

MOSTRA SP 2017 | Dia 3 – A raiva adolescente ficcional (ou não?)

Atualizado: 1 de mai. de 2021

Não deixa de ser curiosa a infeliz coincidência de a 41ª Mostra ter hoje como destaque a estreia do filme argentino O Rebanho (2017), uma mistura de thriller e drama adolescente conduzida por Sebastián Caulier, que aborda os arroubos, o furor e a raiva desta fase da vida em uma espiral de violência que ocorre no ambiente escolar, um dia depois da realidade mostrar que o bullying e este ódio acumulado podem ser desastrosos e terminar em tragédias não ficcionais. Este sábado também traz outro filme do gênero, mas calcado em uma patriarca no outro extremo geracional em Scary Mother (2017), début de Ana Urushadze, premiado como Melhor Primeiro Longa-Metragem no Festival de Locarno e selecionado pela Geórgia para disputar uma indicação de Filme Estrangeiro no Oscar 2018. E ainda tem a retrospectiva Paul Vecchialli apresentando seu estudo minimalista sobre o amor em Noites Brancas no Píer (2014).

 

Patricio Penna em cena do filme argentino O Rebanho (2017), de Sebastián Caulier | Foto: Divulgação (Mostra SP)

Em O Rebanho, segundo longa do argentino Sebastián Caulier, o diretor procura encontrar ligações entre a raiva e sensação de inadequação social vindas com a adolescência e como a falta de discernimento e responsabilidade, que são naturais em tal período, podem ter efeitos mais graves. Se a ligação destes temas pode sugerir um texto sensacionalista, Caulier tem sucesso ao jamais percorrer estes caminhos, trazendo, ao invés, uma visão interessante sobre os temas que propõe.

Tendo como protagonista e narrador da história um jovem estudante inseguro e deslocado, O Rebanho acompanha o desenrolar da amizade do adolescente com um garoto também excluído e suscetível à sociopatia, numa relação simbiótica de rebeldia que representa uma bomba relógio de tragédia prestes a explodir.

Já abordado em algumas obras que exploram como a falta de humanidade, comunicação e a pressão pela integração social afetam mentes perdidas e suscetíveis à atos violentos, o tema ganha novo contexto neste filme, que, em vez de se apegar à histórias reais (como o excelente Elefante, de Gus Van Saint), abraça um tom mais convencional de thriller, ao passo que passeia pontualmente por outros gêneros, como um interessante coming of age – retrato da passagem da adolescência para a vida adulta – colegial.

Assim, uma rixa banal com um professor de educação física resulta num ato de rebeldia anárquica, e a cena do primeiro ato dos jovens, intensa e embalada com acordes de música punk, serve de ótimo contraste com as ações seguintes, cada vez mais perigosas e sem o senso de deslumbramento contida nessa cena inicial.

Utilizando ovelhas como parte de sua simbologia, O Rebanho tem sucesso ao misturar drama adolescente, suspense e até um tímido coming of age, em temas que acabam se fundindo muito bem nesta obra que utiliza a passageira raiva adolescente como via para tragédias maiores.



ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2

21/10/17 - 19:30 - Sessão: 232 (Sábado)

CINESALA

22/10/17 - 17:30 - Sessão: 293 (Domingo)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA ANEXO 4

28/10/17 - 14:00 - Sessão: 925 (Sábado)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

01/11/17 - 19:50 - Sessão: 1370 (Quarta)

 

Uma mulher de meia idade acorda num quarto escuro. Com um rosto pálido – vampírico até – e uma expressão de desgaste emocional e físico que apenas aqueles que já estiveram em seu lugar podem compreender. Ela demonstra incômodo pelo faixo de luz que cruza sua face. Em sua mão, inúmeras anotações que sobem por seu braço.

Esta é a reclusão na qual Manana (Nato Murvanidze), protagonista de Scary Mother, se submete para que consiga terminar de escrever seu livro. Mais do que auto-imposto, tal isolamento soa quase que obrigatório; mais um resultado de anos de imposições e deveres estabelecidos por seu papel em uma sociedade ainda patriarcal do que um mero isolamento para a inspiração, ainda que a mesma use o último caso como justificativa. A família da protagonista, composta por seu marido, respeita o espaço da mãe, que possui também o apoio de seu amigo, o balconista de uma loja de livros que insiste em afirmar que Manana possui uma obra-prima em mãos. Conforme o obsceno conteúdo do livro é revelado,numa cena que começa num zoom out e é, literalmente, de tirar o fôlego, mais abrem-se portas para o subconsciente imprevisível e assombroso de Manana, ao passo que sua família desmorona diante daquelas páginas.

Scary Mother poderia seguir o caminho do drama sobre a mulher que se liberta das algemas conservadoras e machistas e triunfa sobre tais adversidades, abrindo um lado sensível de si para o mundo, que a reconhece como a mente brilhante que seu amigo tanto clama. Ainda que, por um bom tempo de seus 107 minutos, ele seja exatamente isso, o primeiro filme da jovem cineasta Ana Urushadze e representante da Geórgia para o Oscar abraça gradualmente o thriller psicológico, culminando no puro terror que atinge seu ápice não com sustos ou sangue, mas com um diálogo e o que aquelas horríveis e íntimas palavras possam representar.

Nesse sentido, Scary Mother é quase que uma resposta ao filme que divide metade de seu nome, o polêmico Mãe! (Mother!), de Darren Aronofsky: a mãe que tem sua essência corrompida por aqueles ao seu redor, enquanto tenta a todo custo ficar em paz e alcançá-la através de sua expressão artística. Simbolismos religiosos à parte, enquanto aquela produção provoca o terror e desconforto através – em sua maior parte – do choque, do grandiloquente e do dramático, este opta por uma abordagem de igual angústia e inquietude através da atmosfera. Seja no design de som que ressalta ruídos quase diegéticos ou na forma com que utiliza a luz para transformar seus personagens em figuras assustadoras, o longa georgiano nos permite entrar lentamente na cabeça de sua protagonista, que é refletida nas próprias paredes do prédio em que Manana vive – deterioradas.

Até que chegamos ao aterrador final de Scary Mother, magistral estreia na direção de Ana Urushadze, onde o pavor nos encontra não através da história contida no livro de Manana em si, mas da sensação de termos presenciado algo íntimo, visceral, algo tão pessoal que acaba transcendendo essa ideia do subconsciente, da ficção, e se torna real.

PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA

21/10/17 - 14:00 - Sessão: 264 (Sábado)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

24/10/17 - 17:00 - Sessão: 476 (Terça)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

27/10/17 - 19:00 - Sessão: 829 (Sexta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 6

29/10/17 - 17:10 - Sessão: 1085 (Domingo)

 

Pascal Cervo e Astrid Adverbe em cena do filme francês Noites Brancas no Píer (2014), de Paul Vecchiali | Foto: Divulgação (Mostra SP)

“Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Afinal, não basta isso para encher a vida inteira de um homem?...”. É assim que Fiódor Dostoiévski encerra Noites Brancas (1848), seu conto sobre dois solitários que conversam durante quatro noites sobre o vazio de suas vidas e a eterna busca para preencher este espaço com amor, que fora adaptado várias vezes para a TV e o cinema. Uma das mais recentes marca a volta de Paul Vecchiali para o radar dos cinéfilos, com o minimalista Noites Brancas no Píer, presente na seleção da 38ª Mostra e que volta na edição deste ano, dentro da retrospectiva da obra do cineasta francês. (...)

Aqui, o protagonista, chamado apenas de “Sonhador” no conto, ganha nome: Fiódor (Pascal Cervo), que, segundo o próprio, ganhou esta alcunha porque sua mãe, já morta, era fã de Dostoiévski. Uma clara homenagem ao autor que criou, com o personagem, um alter ego para si e para todos os leitores. Um homem amargurado pela vida que não consegue se relacionar com mulheres, até conhecer Nástienka, chamada de Natasha (Astrid Adverbe) no filme. (...)

Vecchiali, que aparece brevemente na primeira cena avisando o protagonista de que não teria as mesmas convicções para sempre, fundamenta seu filme na força da palavra e o estrutura de maneira bem teatral. Porém, por trás de uma mise-en-scène simplista, o diretor de Femmes Femmes (1974) investe em simples ferramentas cinematográficas para ampliar significados em uma produção de baixíssimo orçamento. Os planos fixos representam a imobilidade na vida dos personagens, que procuram sair desta letargia através do amor; sob a luz do poste ou do farol, cada um deles sai da penumbra onde o outro – e tudo – se encontra para revelar seus sentimentos recônditos, em longas conversas que iluminam dúvidas tão comuns a todos. (...)

De um surrealismo hermético, o exercício cinematográfico de Vecchiali sobre o amor pode acabar afastando parte do público. Outros conseguirão identificar, em maior ou menor grau, suas próprias confissões nestes dois amantes desencontrados.



INSTITUTO MOREIRA SALLES - PAULISTA

21/10/17 - 17:40 - Sessão: 256 (Sábado)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

31/10/17 - 21:40 - Sessão: 1256 (Terça)


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