MOSTRA SP 2017 | Dia 2 – Um cinema em refúgio pelo humano
Atualizado: 1 de mai. de 2021
O filme de abertura da 41ª Mostra, Human Flow – Não Existe Lar se Não Há Para Onde Ir (2017), que fez a sua première mundial no último Festival de Veneza, é exibido mais uma vez ao público, levando consigo um dos temas muito pungentes na seleção desta edição: a crise mundial dos refugiados. Procurando humanidade em um cenário desumano, o multifacetado artista Ai Weiwei, que, após suas desventuras em série narradas em tempo real no seu Instagram, conseguiu finalmente desembarcar no Brasil para apresentar o seu filme, que muito dialoga com outras obras selecionadas neste ano que abordam a temática. Às vezes, até indiretamente, como são os casos de outros longas com sessões hoje: os refugiados estão ali, dentro de um país e uma mulher em crise, no sueco O Vento Sopra Onde Quer (2017), enquanto os imigrantes mexicanos seguem sendo alvo de preconceito em Elbing, no Missouri – ou como em outras várias cidades norte-americanas –, no premiado Três Anúncios Para um Crime (2017).
Se o documentário Human Flow – Não Existe Lar se Não Há Para Onde Ir, comandado por Ai Weiwei (cineasta, fotógrafo, artista e ativista responsável pela arte do pôster da 41ª Mostra) pode parecer repetitivo em muitos dos seus 140 minutos, isso é menos um problema cinematográfico e mais um revoltante fato da vida real. Tendo a crise dos refugiados como tema, Weiwei e sua equipe visitaram 23 países (entre eles Iraque, Suécia, França, Grécia, Alemanha, Quênia e Israel) dos 70 que abrigam mais de 40 milhões de refugiados (em sua maioria, do Oriente Médio) no total. Essa repetição, porém, vem do próprio contexto: são todas histórias de dor e sacrifício, sejam em campos de refugiados ou nas fronteiras delimitadas por arame farpado.
Mais do que isso, ela representa a necessidade de Ai Weiwei em deixar claro o escopo da situação e registrar o maior número de histórias, com travellings e imagens que arrepiam por apresentar, ao mesmo tempo, o belo e o feio, em seus contrastes de paisagens bonitas preenchidas por situações desesperadoras e seres danificados em busca de um lar. Ainda assim, em cada uma dessas imagens recorrentes, capturadas por 12 diretores de fotografia (com Weiwei incluso), reside a necessidade de atribuir uma face àquelas pessoas e de nos lembrar de que – mais do que números – cada um deles possui uma jornada, um contexto, uma história.
Centenas de refugiados andam pelas estradas da Suécia (e o sueco O Vento Sopra Onde Quer, que também está sendo exibido na 41ª Mostra, possui um subtexto relacionado à crise). Uma senhora na Grécia observa de sua porta da frente a chegada de refugiados. Duas israelenses preocupadas discutem a situação em que se encontram enquanto uma garotinha, sentada entre as duas, brinca com balões. Um senhor se desmancha em lágrimas ao confessar que tem pesadelos com seus amigos mortos. Weiwei consegue encontrar o humano no desumano, o indivíduo à parte do coletivo. Está interessado, no final das contas, no "fluxo humano" do título. É desesperador, em sua simplicidade, o momento em que, após percorrer o Mar Mediterrâneo de bote até a praia e ser amparado pelo próprio WeiWei (que tem uma participação contínua nas várias passagens), um dos refugiados fuma um cigarro, sem expressão alguma, como se a situação que acabou de passar fosse algo corriqueiro, trivial.
Incômodo, Human Flow é um trabalho importante, que atribui identidade para aquelas formas distorcidas que compõem os milhões de refugiados, ao mesmo tempo em que revisita as causas desta crise (a guerra civil na Síria sendo uma das principais).
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2
20/10/17 - 17:50 - Sessão: 141 (Sexta)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1
28/10/17 - 17:15 - Sessão: 922 (Sábado)
Quando Mildred Hayes, interpretada pela excelente Frances McDormand, entra em cena pela primeira vez em Três Anúncios Para um Crime, o mais novo filme de Martin McDonagh (de Na Mira do Chefe, de 2008, e Sete Psicopatas e Um Shih Tzu, de 2012) que foi o grande vencedor do Toronto International Film Festival (TIFF), fica clara a sua mensagem: entrando por uma porta, em câmera lenta, com a trilha sonora de Carter Burwell que evoca os melhores westerns, Mildred é o "cowboy solitário" de Mcdonagh, é a figura que parece agir acima da lei. Como as icônicas figuras de tais produções, tem seu próprio compasso moral. A cidade? Missouri, no oeste, que não é mais velho, mas parece parado no tempo, com sua parcela escabrosa de supremacistas e preconceito.
A tradicional "jornada de vingança" de Hayes é contra a polícia local, liderada pelo xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson, ótimo), que durante 9 meses falhou em solucionar o caso do assassinato de sua filha. Mildred aluga três outdores, há muito não utilizados, e deixa um recado que chamará a atenção do xerife, dos moradores e da mídia. E daí vem o belo título original, que consegue ser até poético ao ir direto ao ponto: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.
Não é difícil imaginar que, nas mãos de outros roteiristas, a história de Hayes receberia contornos mais heroicos, e que a maioria não resistiria em incluir discursos dramáticos e poderosos, até mesmo retirando da protagonista o que a torna mais humana e complexa: seus defeitos. Mcdonagh é sábio em retratar Mildred como uma mulher que luta pela causa certa, mas que possui seus próprios defeitos, preconceitos, e o tão familiar ódio.
O "ódio", que aparece nos títulos de tantos faroestes, é utilizado como elemento de reflexão em mais uma narrativa toda particular que Mcdonagh é sempre hábil em criar, onde todas as atuações parecem ajustadas levemente num tom acima, criando uma espécie de estilização que quase torna seus personagens caricaturas (o policial racista vivido por Sam Rockwell, o "anão da cidade" vivido por Peter Dinklage), mas não chega a exatamente ultrapassar essa linha, ancoradas por atuações excepcionais que elevam estes personagens a figuras reais, com situações que vão do humor de absurdos ao drama em minutos, num domínio pleno da história que quer contar e que só enriquece este universo.
O personagem mais complexo da obra acaba sendo Jason Dixon, o policial racista vivido por Rockwell. Dos trejeitos e características atribuídos a este tipo de figura autoritária, a utilizada aqui parece ser uma das sacadas mais eficazes: ao retratar Dixon constantemente lendo quadrinhos de super-heróis, o diretor explicita a natureza infantil e senso de justiça simplória que Dixon possui, com os contrastes de preto no branco que existiam neste tipo de gibi. Mcdonagh e a diretora de arte Jesse Rosenthal merecem aplausos por irem um pouco mais longe, já que os quadrinhos lidos pelo policial são em sua maioria oriundos dos anos 50, o que evidencia ainda mais a forma distorcida e retrógrada com que Dixon encara o mundo. No ápice da ironia, o policial utiliza uma camiseta de um desses quadrinhos com a frase "incorruptível". Desta forma, Dixon se torna também um dos personagens mais trágicos, já que sua personalidade e ódio parecem ter raízes oriundas de sua própria criação, já que sua mãe é tão racista quanto ele.
Ainda assim, é inegável que o destaque fique mesmo para a magnética interpretação de Frances McDormand, que cria em sua Mildred uma mulher marcada pela vida que, através de remorso e ódio, construiu lentamente uma carapaça sobre si. Os abusos domésticos causados por seu marido, vivido por John Hawkes certamente possuem um papel nisso, e a forma quase banal com que os personagens reagem aos acessos de raiva do mesmo se tornam dolorosamente reais e atuais, mesmo que, novamente, o diretor consiga extrair com sucesso algum tipo de humor nas interações destes personagens.
Com belos arcos de personagens, a mensagem que fica no excelente Três Anúncios Para um Crime é a de que o ódio é cíclico – o velho, mas ainda atual ditado de que violência só gera violência, de que dor só gera mais dor. É tempo para aquelas velhas frases de espelhos: reconhecer não só o seu ódio, mas também sua dor no próximo (a cena do hospital envolvendo duas figuras antagônicas é uma das mais simbólicas do ano), e, através de um dos sentimentos mais humanos – a empatia – tentar seguir em frente, e se tiverem sorte (as coincidências irônicas utilizadas nesse cinema de McDonagh nunca foram tão proeminentes) encontrar algum tipo de paz.
CINESESC
20/10/17 - 22:30 - Sessão: 117 (Sexta)
RESERVA CULTURAL - SALA 2
26/10/17 - 19:30 - Sessão: 769 (Quinta)
O excêntrico é sempre bem-vindo. O Cinema é uma arte que, ao decorrer das décadas, apenas expande suas possibilidades narrativas, e a forma que cada artista escolhe para contar sua história pode engrandecer ou obliterar a qualidade de sua obra. O incomum, o experimental e o estranho podem ganhar voz nas mãos de cineastas talentosos. Em determinado momento do sueco O Vento Sopra Onde Quer, acompanhamos, através de técnicas de pintura e stop-motion, o cotidiano de uma enguia presa num poço, do ponto de vista da mesma. Se uma produção que reserva um tempo para o monólogo de um peixe chamaria normalmente a atenção, o filme de Kim Ekberg acaba por se perder justamente em suas excentricidades.
O filme escolhe o fim de um relacionamento para dar partida ao seu road movie social, dividido em capítulos. Após ser abandonada por sua namorada, a jovem escritora Elma (Mira Eklund) parte numa viagem pelo interior da Suécia. Mais do que estudo de personagens ou qualquer aprofundamento dramático, O Vento Sopra Onde Quer adota uma narrativa de devaneios, onde a divisão em capítulos acaba atribuindo ainda mais esse caráter episódico à trama. Em cada passagem, Elma conhece figuras mundanas do cotidiano, cada uma com suas próprias idiossincrasias. Nessa lógica, é até natural que a protagonista não possua algum tipo aprofundamento maior, já que é apenas uma passageira, uma observadora que encontra naquelas casas e abrigos um lugar para temporariamente chamar de lar.
Nestes lugares, a cortina do palco se abre para os "astros" de cada capítulo, cada um simbolizando uma parte, social ou etária, da Suécia. O abrir da cortina no caso é literal. Num exemplo das escolhas excêntricas e sem muito propósito de Ekberg, acompanhamos duas garotinhas atuando numa peça sobre a perda da infância e as dificuldades de se viver numa Suécia decadente. Tal passagem, com a cabeça flutuante da platéia contra as estrelas, num green screen, acaba soando, como o monólogo da enguia, deslocado e sem propósito, já que, excessivamente literais, acabam se tornando pedantes.
No fim, fica claro que o diretor Kim Ekberg quer dizer algo sobre a decadência social da Suécia, o problema da imigração, do crime crescente e como isso afeta todas suas gerações. Porém, sem um fio condutor conciso, temos apenas uma série de colagens excêntricas que, eventualmente, se diluem, colocando o sueco O Vento Sopra Onde Quer naquelas listas de filmes que muito querem falar, mas acabam por nada dizer.
CINE CAIXA BELAS ARTES SALA 3
20/10/17 - 15:30 - Sessão: 92 (Sexta)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4
27/10/17 - 17:20 - Sessão: 843 (Sexta)
PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA
01/11/17 - 19:40 - Sessão: 1398 (Quarta)