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Foto do escritorNayara Reynaud

O CASTELO DE VIDRO | As fragilidades e a solidez das construções familiares

Atualizado: 2 de jun. de 2020


Woody Harrelson e elenco em cena do filme O Castelo de Vidro (2017) | Foto: Divulgação

Como os reflexos de um vidro que pode alterar a percepção humana dependendo da posição, O Castelo de Vidro (2017) traz aquele complicado retrato familiar paradoxal, cujas reações e opiniões mudam a cada instante no decorrer do filme, como o público viu recentemente em Capitão Fantástico (2016), que, curiosamente, também conta com a pequena Shree Crooks no elenco. Mas se, no longa de Matt Ross no qual Viggo Mortensen foi indicado ao Oscar deste ano, o modo de vida peculiar daquela família era apresentado de modo libertário, porém abusivo, o caminho do novo trabalho de Destin Daniel Cretton em parceria com Brie Larson é o contrário. Menos utópico e mais incisivo, a adaptação da autobiografia homônima best-seller da jornalista Jeannette Walls mostra afetuosamente um amor e unicidade verdadeiros que existem naquele núcleo, apesar da vivência em um ambiente de escassez e violência, às vezes, física, mas principalmente psicológica.

O início da produção apresenta a atriz ganhadora do prêmio da Academia há dois anos, por O Quarto de Jack (2015), como uma colunista de fofoca, noiva de com um analista de investimentos (Max Greenfield), que sai das pompas de um restaurante chique, de uma Nova York do ano de 1989, para ver do táxi, nas ruas da mesma cidade, os seus pais remexendo no lixo. O roteiro de Cretton e Andrew Lanham, de A Cabana (2017), navega deste reencontro, quase como um confronto de valores, da personagem já adulta com Rex Walls (Woody Harrelson) e Rose Mary (Naomi Watts) para suas lembranças de família que vêm à tona, em um vaivém. Se o ponto de vista é sempre de Jeannette (vivida como criança por Chandler Head, como pré-adolescente por Ella Anderson e, no final da adolescência e mais velha, por Brie Larson), o protagonismo, por sua vez, é de seu pai, com quem o espectador vai estabelecendo uma relação de amor e ódio durante as duas horas de filme.

Rex era um homem muito inteligente e sonhador, mas que não conseguia se firmar em um emprego devido ao alcoolismo, que impedia que qualquer projeto da família fosse para frente, enquanto Rose Mary se dedicava apenas as suas pinturas. Fugindo de dívidas, viviam como nômades, indo de uma cidade a outra, na esperança da próxima parada ser finalmente o lugar onde construiriam o tão planejado castelo de vidro, sem que as crianças tivessem uma educação formal em escolas e, às vezes, até comida. Aliás, os irmãos de Jeannette – a primogênita Lori (Sarah Snook / Sadie Sink / Olivia Kate Rice, da fase adulta à mais jovem), o irmão mais novo Brian (Josh Caras / Charlie Shotwell / Iain Armitage) e a caçula Maureen (Brigette Lundy-Paine / Shree Crooks / Eden Grace Redfield) – ficam subjugados na trama pela narrativa conduzida pelos olhos dela. Vivendo agora em seu próprio castelo de vidro de aspirações frágeis, de uma vida de luxo em que ela escolheu se esconder, a jornalista tem em si uma cicatriz igual à da queimadura que sofreu por cozinhar na sua tenra idade: sem conseguir esquecer esse crescimento no meio de sonhos e desilusões, a protagonista tem de aprender a lidar com isso.

Em um ambiente familiar, Cretton, que volta a trabalhar com boa parte da equipe de Temporário 12 / Short Term 12 (2013), também retorna ao seu interesse em famílias disfuncionais, cuja pobreza – para padrões norte-americanos, bem diferentes dos brasileiros, por exemplo – não mascara seus problemas como as de classe média que ganham espaço na mídia. Se agora foca em um único clã em vez de chamar a atenção para os menores de idade e adultos, no caso da protagonista também interpretada por Brie Larson em uma atuação já digna dos prêmios que ela iria ganhar depois, que moram ou passaram por abrigos temporários por não terem condições de viver com seus pais ou responsáveis, pelas mais diversas razões, o diretor havaiano continua com um olhar para as consequências desses abusos, abordando inclusive os desdobramentos do abuso sexual por gerações.

Como esta crítica que vos escreve considera Temporário 12 um de seus filmes favoritos e até o colocou na lista pessoal do Top 300 do Filmes do Chico, naturalmente guardava certa expectativa para o novo trabalho de Cretton. Seu segundo longa – seu début foi com I’m Not a Hipster (2012) – é um típico indie norte-americano que sabia fugir dos clichês do gênero em um final repleto de significados mais profundos do que a sua aparência para agradar ao público, que ainda espero aprofundar em um texto exclusivo. Durante a sessão de imprensa de O Castelo de Vidro, porém, vendo que a sua direção se rende a algumas concessões hollyoodianas de produções que abordam estes temas familiares, fica a impressão de que a obra se mostra um pouco aquém do potencial do cineasta e da história e temática em mãos, apesar de um estudo de personagem muito interessante na dinâmica de Harrelson com todas as atrizes que vivem Jeannette.

Hoje, no entanto, não sei se eu, como “pessoa física” e não crítica, aguentaria rever o filme em um momento em que a vida reforça que, enquanto muitos passam em teu caminho como uma brisa de verão ou um furacão tempestuoso, é aquele castelo de vidro já riscado e um pouco quebrado da família que permanece te abrigando e te moldando. Se a fragilidade ou solidez do material é uma questão de ocasião, a percepção sobre os Walls, o longa e a sua própria família também pode mudar a qualquer momento.

 

O Castelo de Vidro (The Glass Castle, 2017)

Duração: 127 min | Classificação: 14 anos

Direção: Destin Daniel Cretton

Roteiro: Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham, baseado no livro “O Castelo de Vidro” de Jeannette Walls

Elenco: Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Ella Anderson, Chandler Head, Max Greenfield, Josh Caras, Charlie Shotwell, Iain Armitage, Sarah Snook, Sadie Sink, Olivia Kate Rice, Brigette Lundy-Paine, Shree Crooks, Eden Grace Redfield e Robin Bartlett (veja + no IMDb)

Distribuição: Paris Filmes

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