MALASARTES E O DUELO COM A MORTE | A cultura popular e o duelo com a tecnologia
Atualizado: 1 de jun. de 2020
Uma das primeiras imagens do malandro que está tão intrínseca na cultura brasileira, a figura folclórica de Pedro Malasartes tem suas origens em contos populares ibéricos e latino-americanos, sendo o da Sopa de Pedras o mais famoso por aqui. Nessas histórias, o rapaz astuto está sempre aprontando as suas artimanhas, às vezes como um anti-herói contra os mais poderosos ou valentes, outras, só como alguém tentando sobreviver. O personagem já apareceu nos cinemas com Mazzaropi, diretamente em As Aventuras de Pedro Malazartes (1960) e, de certo modo, na persona do matuto que empregou em tantos outros filmes, assim como Os Trapalhões e o próprio Didi carregaram um pouco dessa imagem.
Agora é a vez dele mesmo voltar às telas na comédia fantástica Malasartes e o Duelo com a Morte (2017), novo longa de Paulo Morelli. Na interpretação de Jesuíta Barbosa, Pedro Malasartes é um rapaz do interior que aplica seus pequenos golpes para fugir das dívidas e de quem o cobra, Próspero (Milhem Cortaz), o bravo irmão de sua namoradinha Áurea (Isis Valverde), com quem também evita qualquer compromisso sério. Só que, enquanto isso, a própria Morte, vivida por Júlio Andrade, planeja que seu afilhado lhe suceda, sem que o jovem saiba a identidade de seu poderoso padrinho até ali.
Paulo, cujo último trabalho nos cinemas foi junto com o filho Pedro Morelli, no drama Entre Nós (2013), quis incrementar a narrativa popular com um aspecto moderno, investindo dinheiro e tempo em efeitos especiais. Os dois anos de pós-produção são apresentados em um trabalho impressionante, para moldes brasileiros, na construção do submundo que é a morada da Morte, embora fique visível que falta retoques na finalização. No entanto, o problema do emprego desses avanços tecnológicos se mostra mesmo na narrativa.
Malasartes se sai melhor quando se prende à simplicidade desse cotidiano interiorano e da criatividade do folclore brasileiro e latino do que no exibicionismo técnico que se sobrepõe à trama fantástica da Morte, de seu assistente (Leandro Hassum) e das Três Parcas. Aliás, o trio de bruxas responsáveis pelos destinos humanos, formado pela Fiandeira (Julia Ianina), a Tecedeira (Luciana Paes) e a Cortadeira (Vera Holtz), fica apagado e o entendimento sobre o seu trabalho é tão esquecido quanto o subtexto que poderia ser desenvolvido com a temática filosófica da vida e o fim dela. Por isso, em certo ponto, parece que o roteiro do próprio Morelli foi amarrado com outro Fio do Destino, resultando em uma narrativa irregular, cujo tom da fantasia deste Vale entre a Vida e a Morte contrasta a parte do interior, cujo humor ingênuo e malandragem poderiam ser investidos mais no longa.
Mas tal qual Pedro que conta com a sorte e a sua esperteza para se livrar dos problemas em seu caminho, o filme tem ao seu lado um ótimo elenco para sustentar a história. Com papéis que são naturalmente caricaturais, os atores dão verdade à ingenuidade de seus personagens, como no caso de Valverde e Augusto Madeira, na pele de Zé Candinho; valentia, a exemplo de Cortaz; um poder bipolar, para Andrade; e as nuances de astúcia e inocência que Barbosa constrói tão bem na voz e nas expressões de seu protagonista.
Outra qualidade que a obra possui a seu favor é a exaltação à cultura popular brasileira, cujos últimos sucessos cinematográficos foram O Auto da Compadecida (2000) – que originalmente foi uma microssérie da Globo transformada em um longa-metragem –, Lisbela e o Prisioneiro (2002) e Cine Holliúdy (2012). Mesmo sem o mesmo brilho destes, Malasartes seria o exemplar ideal para retomar este subgênero cômico e conquistar bons resultados na bilheteria; pena que o ano de 2017 não tem sido gentil com o cinema nacional neste último quesito.
Malasartes e o Duelo com a Morte (2017)
Duração: 110 min | Classificação: 12 anos
Direção: Paulo Morelli
Roteiro: Paulo Morelli
Elenco: Jesuíta Barbosa, Ísis Valverde, Augusto Madeira, Júlio Andrade, Leandro Hassum, Vera Holtz, Milhem Cortaz, Luciana Paes, Julia Ianina e Lima Duarte (veja + no IMDb)
Distribuição: Downtown Filmes / Paris Filmes