UM TIO QUASE PERFEITO | Uma re-união de família e com o público
Atualizado: 18 de mai. de 2020
Foto: Desirée do Valle/Divulgação
Virando o ano como a maior bilheteria do cinema nacional, em termos de arrecadação, Minha Mãe É Uma Peça 2 (2016) veio acumulando R$ 116,4 milhões e um público de 9,3 milhões de espectadores, desde seu lançamento no final de dezembro. Um filme que coroava um 2016 que atingiu recordes na quantidade de filmes lançados e total de ingressos vendidos – 143 e 30,4 milhões, respectivamente –, tendo sete longas com mais de 1 milhão de bilhetes e 23 com mais de 100 mil. No entanto, o que se seguiu depois dele foi um fraco primeiro semestre de 2017, apesar do grande número de produções brasileiras no circuito comercial: depois do fenômeno da comédia estrelada por Paulo Gustavo, somente Eu Fico Loko (2017) passou da marca de 500 mil espectadores e apenas mais outras cinco estreias deste ano ultrapassaram a de 100 mil.
Alguns lançamentos do mês de junho buscam reanimar estes números e um deles é protagonizado justamente por um companheiro do humorista nos programas cômicos do Multishow, 220 Volts (2011-16) e Vai Que Cola (2013-). Marcus Majella é Um Tio Quase Perfeito (2017) no filme de Pedro Antonio que mostra um típico malandro reencontrando a sua essência no convívio com a família e tenta, de certa forma, reencontrar o público com uma história familiar. O ator conhecido pelos primeiros vídeos do canal Porta dos Fundos e pelo personagem Ferdinando na TV – com o qual faz sucesso com o público infantil, mas precisou redobrar a atenção para evitar os trejeitos, conforme sua confissão durante a coletiva de imprensa no último dia 12, em São Paulo – interpreta o trambiqueiro Tony, que precisa, junto com sua mãe também trapaceira, Cecilia (Ana Lúcia Torre), pedir abrigo na casa da irmã com quem não tem um bom relacionamento (Letícia Isnard) e acaba tendo de cuidar dos seus três sobrinhos, enquanto ela está viajando.
Porém, quando o projeto começou dois anos atrás, a ideia era que o protagonista fosse um pai, que provavelmente seria interpretado pelo Leandro Hassum, mas a produtora Mariza Leão disse ter intuído, após a saída do ator, que um tio seria mais original. Em seu 30º filme, a realizadora que iniciou a carreira nos anos 1980 e, entre seus trabalhos mais recentes, teve as cinebiografias Zuzu Angel (2006) e Meu Nome Não É Johnny (2008), as comédias De Pernas Pro Ar e Meu Passado Me Condena, o romance Ponte Aérea (2015) e o policial Em Nome da Lei (2016), também falou aos jornalistas sobre o cuidado em acertar “o quanto 171 seria” este Tio Tony que, no seu trabalho nas ruas, vai da estátua viva aos falsos pastor e músico peruano: “O certo é que ele não estaria em Brasília”, brinca. A preocupação era válida, pois era necessário que o público acreditasse na ligação que aquele homem criaria com as crianças.
O elenco infanto-juvenil, que se destaca pela naturalidade em boa parte das cenas, aliás, estava presente no evento. Júlia Svacinna, que sai bem no papel mais complexo dos sobrinhos, como a estudiosa e protetora Patricia, comentou a primeira experiência com um personagem de mais destaque e a mensagem do longa de que sempre há chance de mudar. João Barreto, neto de Luiz Carlos Barreto e filho de Fabio Barreto que vive seu xará na trama, explicou como foi estar em um grande set de filmagem, depois de fazer seus próprios curtas com a amiga, mesmo com apenas 10 anos de idade. Sofia Barros, que é puro carisma como a pequena Valentina só queria “agradecer porque passei no teste” e revelou que escolheu qual iguana estaria em cena com ela e seria o “Luiz Otavi”. O diretor confessou que, apesar do medo inicial de trabalhar com as crianças, ele teve certeza que os três eram os certos para os papéis logo no teste, enquanto Mariza valorizou o apoio das mães dos atores mirins, pois, às vezes, a relação da equipe de produção com as figuras maternas se torna insuportável e bem mais difícil do que com os próprios garotos.
Apostando na família para sobreviver na cadeia de cinemas
Uma das observações mais bem-vindas ao assistir Um Tio Quase Perfeito é a sua preferência por um caminho diferente do cenário tão único da comédia nacional na cinematografia atual. Se a direção de Antonio, de Tô Ryca (2016) e vários humorísticos do Multishow, ainda se prende a uma estética televisiva, vez ou outra, a escolha por evitar o formato de esquetes e o exagero, admitido por ele durante a coletiva, traz uma produção um pouco diferente dos seus trabalhos anteriores, mas com um equilíbrio entre humor e emoção que é familiar e agrada ao público. E se falta um refinamento no texto em passagens pontuais que chegam perto da pieguice, em que Majella não consegue segurar tão bem o personagem quanto na comicidade do novo cotidiano, há piadas de situação e referenciais que conquistam o espectador.
A atriz Ana Lucia Torre, além de revelar aos jornalistas que a inspiração do figurino desta vó peculiar foi a cantora Rita Lee, destaca que esta “não é uma comédia que se perde na comédia”, ressaltando como obras como essa resgatam, mesmo que despretensiosamente, valores da família e de lidar com as diferenças, que são importantes para este momento. Para o cineasta, seu longa não é nem para crianças nem para adultos, e sim para os dois, já que se trata de um family film ou family movie, gênero bastante difundido nos Estados Unidos com os filmes “Sessão da Tarde” dos anos 1980 e 1990 que serviram de referência para ele, a exemplo de Três Solteirões e Um Bebê (1987), Quero Ser Grande (1988) e Esqueceram de Mim (1990), e também na França, como o citado O Pequeno Nicolau (2009). No entanto, ao comentar que o gênero é pouco explorado no Brasil, Pedro esquece que ele já era trabalhado, de certa forma, desde Os Trapalhões e encontra um ótimo exemplar em O Noviço Rebelde (1997), de Tizuka Yamasaki, entre outros.
Usar o formato tão comum nestas produções do clipe, com alguma música embalando uma passagem de tempo, mas fazê-lo não utilizando canções pop óbvias, e sim faixas indie como Alright do Supergrass e Lonely Boy do The Black Keys, mostra como o filme segue à risca a fórmula hollywoodiana, mas com um jeito próprio, que dá identidade para essa família brasileira, tão disfuncional quanto o país. E se a aposta de Um Tio Quase Perfeito render nas bilheterias e iniciar uma nova franquia made in Brazil, a pequena Sofia já deixou a sua ideia gravada: ela quer ir à Disney na continuação.
Foto: Nayara Reynaud
Um Tio Quase Perfeito (2017)
Duração: 95 min | Classificação: Livre
Direção: Pedro Antonio
Roteiro: Sabrina Garcia, Rodrigo Goulart e Leandro Muniz
Elenco: Marcus Majella, Ana Lúcia Torre, Júlia Svacinna, João Barreto, Sofia Barros, Letícia Isnard, Osvaldo Mil, Eduardo Galvão e Bia Montez (veja + no IMDb)
Distribuição: H2O Filmes