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Foto do escritorNayara Reynaud

NEVE NEGRA | O que acontece na neve, fica na neve

Atualizado: 18 de mai. de 2020


Ricardo Darín, Laia Costa e Leonardo Sbaraglia em cena do filme Neve Negra (Nieve Negra, 2017) | Foto: Divulgação (Paris Filmes)

“Que família!”, exclama Federico Luppi como Sepia, personagem que é um velho amigo do clã retratado em Neve Negra (2017), fazendo da frase um dos poucos momentos de alívio cômico no thriller dramático que foi sucesso de bilheteria na Argentina, no início do ano, e chega agora ao Brasil. “É uma pena que não temos tanta troca entre os países latinos”, lamentou o diretor Martin Hodara, durante a coletiva de imprensa para a divulgação do filme em São Paulo, no último mês (29), desejando uma colaboração entre as cinematografias vizinhas como a que ocorreu em seu longa, uma coprodução “hermana” com a Espanha e o governo da Catalunha.

É lá de terras ibéricas que o protagonista Marcos (Leonardo Sbaraglia e, quando adolescente, Biel Montoro) vem e retorna à Argentina, por causa da morte de seu pai (Andrés Herrera), ao lado de sua esposa espanhola, Laura (Laia Costa), sem que o espectador saiba algo da vida pregressa deles, além do fato dela estar grávida. O falecimento do patriarca coloca em foco a divisão entre os herdeiros do dinheiro de uma possível venda da grande propriedade da família, na Patagônia argentina – embora boa parte das filmagens tenha sido no principado europeu de Andorra –, para uma mineradora. O problema é convencer o primogênito Salvador (Ricardo Darín quase mudo para o personagem/o jovem Mikel Iglesias) de sair do terreno onde ele morou por décadas, desde a misteriosa morte do irmão deles, Juan, ali – enquanto isso, a irmã Sabrina (Dolores Fonzi, que aparece em uma única cena, e Liah O'Prey como ela ainda garota) hoje está em um hospital psiquiátrico.

Os detalhes dessa estranha relação familiar surgem aos poucos, com o roteiro descortinando aos poucos detalhes do passado deles, justamente nas temporadas de caça naquele chalé, e só se revelam totalmente ao final, mas ainda assim deixando muitos questionamentos sobre as intenções dos personagens. Aliás, a melhor qualidade do filme é compreender bem a contenção de sua proposta, que vai além das restrições orçamentárias para iniciar a produção, pois “a coisa mais difícil foi conseguir o dinheiro”, segundo Hodara. Sem se estender na duração de uma trama limitada por sua estrutura e guiada pelo que não é dito, a obra encontra no minimalismo um caminho para conduzir as gravidades que circundam essa família e que poderiam cair no sensacionalismo – e olha que o realizador disse que a ideia dele e do coroteirista Leonel D'Agostino era que a história fosse mais “dark”.

Contudo, é o elenco quem desperta a atenção do público no decorrer dessa uma hora e meia na neve. O talento de nomes como Sbaraglia e Darín, além do apelo de grande estrela latina deste, já é conhecido e segura esta narrativa em que se diz muito nos silêncios, mas o diretor exalta igualmente o prazer em trabalhar com os dois atores que “não falavam só de seus personagens, mas também sobre o trio”. Para ele, aliás, Laura é a protagonista da história: ela é a única que apresenta uma crescente durante a trama, mesmo e por causa da interpretação minimalista de Laia Costa, do longa alemão Victoria (2015), indo da luz às trevas ao sabor dos acontecimentos.

Martin ainda afirmou que sempre teve essa fixação com a neve e esse lugar isolado, como representação da mente do Marcos – pelo que mostra o filme, a neve negra, manchada por gotas de sangue do passado que ele prefere esquecer, ameaça a tranquilidade externada pela grande extensão branca que a esconde. A escolha pelo cenário, que ofereceu certa dificuldade para a fotografia com as constantes mudanças de tempo, vai de encontro com Um Plano Simples (1998), longa de Sam Raimi que serve de referência para o cineasta argentino, tal qual Sobre Meninos e Lobos (2003), de Clint Eastwood, como uma tragédia com um fundo de thriller, de acordo com a proposta do diretor.

Hodara, que foi assistente de direção em filmes como Nove Rainhas (2000) e fez seu début codirigindo o policial O Sinal (2007) com o próprio astro Darín, entrega um trabalho intrigante em seu segundo longa, o primeiro solo, mas que não tem fôlego para se tornar marcante. O cineasta se destaca mais pela fusão visual entre passado e presente apresentada em alguns momentos: no principal plano-sequência que mistura as ações de sua juventude e de agora, 20 pessoas da produção estavam envolvidas para a tomada única, sem trucagem e cortes invisíveis da edição. “Não sou muito fã de flashbacks, mas ele estava no mesmo lugar”, diz ele justificando o recurso para adentrar na psique do protagonista, embora mais se tenham dúvidas sobre ele e sua mulher ao fim de Neve Negra.


Martin Hodara na coletiva de imprensa do filme Neve Negra (2017) em São Paulo | Foto: Pedro Fernandes / Divulgação

Foto: Pedro Fernandes / Divulgação

 

Neve Negra (Nieve Negra, 2017)

Duração: 90 min | Classificação: 14 anos

Direção: Martin Hodara

Roteiro: Leonel D'Agostino e Martin Hodara

Elenco: Leonardo Sbaraglia, Ricardo Darín, Laia Costa, Dolores Fonzi, Federico Luppi, Andrés Herrera, Biel Montoro, Liah O'Prey, Iván Luengo e Mikel Iglesias (veja + no IMDb)

Distribuição: Paris Filmes

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