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Foto do escritorNayara Reynaud

MULHER-MARAVILHA | A cada dia, uma trincheira

Atualizado: 9 de mai. de 2021


Gal Gadot na cena da trincheira do filme Mulher-Maravilha (2017) | Foto: Divulgação


Fim da sessão e mais uma centena de súditos conquistados pela Princesa Diana de Themyscira. A personagem criada em 1941, por Charles Moulton, pseudônimo do quadrinista William Moulton Marston, atingiu enorme popularidade na TV com a série estrelada por Lynda Carter entre 1975 e 1979, mas, depois de alguns filmes animados apenas para home video, chega só agora aos cinemas; obviamente, cercada de muita expectativa. E por ter mais que recompensado essa espera para ver a história desta figura icônica da DC Comics nas telonas, Mulher-Maravilha (2017), longa dirigido por Patty Jenkins, deverá adentrar a realeza das adaptações cinematográficas de histórias em quadrinhos.

Na pele da atriz israelense Gal Gadot, Diana já faz parte da coroa de Themyscira, a Ilha Paraíso não encontrada no mapa onde as Amazonas vivem protegidas. Desde criança, sua mãe, a Rainha Hipólita (Connie Nielsen), lhe conta os feitos dessas mulheres guerreiras, presentes na mitologia grega, para trazer a paz entre os humanos em conflito, quando Ares, filho de Zeus e deus da Guerra, os incitou para a autodestruição, tentando evitar que a menina um dia esteja em uma batalha. Porém, logo a filha está treinando com Antíope (Robin Wright), irmã da monarca e general de seu exército altamente preparado, para mais tarde conhecer os horrores de uma.

É a chegada inesperada de um homem, o piloto norte-americano Steve Trevor (Chris Pine) que trabalha como espião para os ingleses e cai por acidente na ilha, que leva a princesa para conhecer a humanidade justamente durante a I Guerra Mundial – diferentemente das HQ’s e do seriado, em que o cenário é a II Guerra. Aliás, uma das características mais interessantes da personagem é o fato dela sair da proteção de seu reduto natal, para não apenas defende-lo – digamos que as lutas vêm ao encontro de seus colegas em Metrópolis e Gotham –, e brigar pela sobrevivência de um povo que ela não conhece. Até mesmo quando ela não vê mais propósito em ajudar a raça humana, esse questionamento é construído de um modo mais efetivo em um espaço de tempo menor que os do novo Homem de Aço, e com um coração mais genuíno como o do antigo Superman.

Assim, Mulher-Maravilha “não inventa a roda” dos filmes de super-heróis, mas a faz rodar de outra maneira. O primeiro roteiro de Allan Heinberg no cinema, depois de trabalhar em Grey’s Anatomy / A Anatomia de Grey (2005-) e The O.C.: Um Estranho no Paraíso (2003-07), traz ótimos diálogos, especialmente no início da interação entre Diana e Steve, com várias falas discutindo, explícita e implicitamente, as relações de gênero. Boas frases de efeito surgem no texto, através da protagonista e dos coadjuvantes que são introduzidos no decorrer da trama, dentro de seus estereótipos, embora algumas mais pobres e sentimentalistas apareçam no final.

Contudo, a construção da personagem e a condução da história permitem essa ode ao amor feita pela obra, que cai muito bem para o horror daquela época e, igualmente, em tempos tão cínicos e de ódio gratuito como os de hoje, a fim de reforçar o que é humanidade. De certo modo, To Be Human, música interpretada pela Sia e o Labrinth que toca durante os créditos da produção, cuja trilha sonora de Rupert Gregson-Williams brinda o público com um riff pra lá de marcante, vem coroar esse discurso. Apesar de a sonoridade ser até moderna demais para o clima do longa, os versos compostos por Florence Welch – sim, a vocalista do Florence + The Machine – e o produtor Rick Nowels expressam bem quem é esta Mulher-Maravilha.

Em um problema comum do gênero, ela tem em seu caminho um vilão genérico, porém a estrutura da narrativa também não permite um desenvolvimento maior desta figura, embora muito se fale de Ades desde o início. O que destoa mesmo são os efeitos visuais. Se na ilha há toda uma aura mitológica que permite a artificialidade empregada pela computação gráfica, além da coreografia das lutas em slow motion, este aspecto não se encaixa no contexto da I Guerra com as batalhas e explosões realizadas pelos próprios humanos; a não ser quando a própria heroína amazona está envolvida, o que justificaria o uso deste visual mais Zack Snyder.

Por isso, a melhor cena de Mulher-Maravilha é exatamente aquela que aposta em uma mise-en-scène clara do embate, repleta de significados e capaz de gerar emoção como poucas – lágrimas devem ter caído dos olhos de alguns, mas o arrepio na sequência da trincheira na “Terra de Ninguém” é certo. É óbvio que existe ali uma clara simbologia em relação ao papel da mulher na sociedade; além de todo o diálogo que precede sua ação, vê-la sozinha em um campo de batalha contra toda uma tropa, onde ela precisa, primeiro, se defender dos ataques alheios para mostrar a sua força e conquistar aquele espaço, é muito representativo. No entanto, há o êxito da obra em colocar qualquer espectador naquele mesmo lugar da Diana, a sentir como se estivesse em suas trincheiras diárias: lutando dia após dia para sustentar a sua família, batalhando por um emprego em tempos de crise, combatendo aqueles pequenos descasos e grandes injustiças do cotidiano para fazer valer os seus direitos...

E pensar que tudo isso quase ficou de fora do filme. Patty Jenkins, cujo primeiro longa, o independente Monster: Desejo Assassino (2003), foi premiado, com direito a Oscar para sua atriz principal, Charlize Theron, teve de brigar para que esta cena continuasse na produção, quando alguns se opuseram ao fato da protagonista não estar lutando contra um vilão. A cineasta, que só agora ganhou a chance de voltar ao cinema com um novo longa, depois de dirigir poucos episódios de séries nestes 14 anos, como The Killing (2011-14), precisou até desenhar sozinha alguns storyboards para explicar a sequência, mostrando a importância dela para a definição da Mulher-Maravilha enquanto personagem que carrega o verdadeiro significado do arquétipo de herói.

 

Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017)

Duração: 141 min | Classificação: 12 anos

Direção: Patty Jenkins

Roteiro: Allan Heinberg, com argumento de Zack Snyder, Allan Heinberg e Jason Fuchs, baseado nos personagens criados por William Moulton Marston nas HQ’s da “Mulher-Maravilha”

Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner, Eugene Brave Rock, Lucy Davis e Elena Anaya (veja + no IMDb)

Distribuição: Warner Bros. Pictures

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