O MAGO DAS MENTIRAS | A queda das pirâmides
Atualizado: 9 de mai. de 2020
Apesar da complexidade de traduzir o mundo financeiro para as telas, Wall Street gera certo fascínio em Hollywood com seu “poder e cobiça” há muito tempo – que o diga Oliver Stone e seu filme icônico de 1987 e sua continuação em 2010 –, mas foi com a crise mundial de 2008, gerada pela bolha imobiliária norte-americana, que o número de produções sobre o tema aumentou. Se vieram Margin Call – O Dia Antes do Fim (2011), A Grande Aposta (2015) e o telefilme da HBO Grande Demais Para Quebrar (2011), entre outros que virão, foi porque o momento trouxe a quebra de uma questão que é muito mais cara à terra do cinema e da TV: o american way of live que alimentava o “sonho americano”. O fim dele, no entanto, encontra o seu retrato mais individual e, em certa medida, humanizado de uma figura de Wall Street em mais uma produção original da HBO.
A figura em questão é Bernie Madoff, responsável por uma das maiores fraudes financeiras dos Estados Unidos com seu esquema de pirâmide, que ganha um perfil complexo na interpretação sóbria e contida de Robert De Niro em O Mago das Mentiras (2017). No elenco do telefilme de Barry Levinson, Michelle Pfeiffer – embora o telespectador desavisado possa achar por alguns minutos que é a Diane Keaton, devido à caracterização – está na pele da esposa Ruth, Hank Azaria faz Frank Dipascali, único que sabia e o ajudava a fraudar as ações e números, enquanto o dinheiro dos investimentos sumia em seu “esquema Ponzi”, e Alessandro Nivola vive o primogênito atormentado Mark Madoff. Mas outros nomes conhecidos de séries de TV completam o casting: ambos de House Of Cards (2013-), Nathan Darrow e Kristen Connolly são, respectivamente, o resignado filho Andrew Madoff e a sua cunhada Stephanie, enquanto Lily Rabe, de American Horror Story/História de Horror Americana (2011-), encarna a mulher do caçula.
A narrativa do longa vai e vem entre as entrevistas que a jornalista financeira Diana Henriques – que aqui interpreta ela mesma – fez com o condenado no presídio de segurança máxima e resultaram no livro em que a obra se inspira, The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust; o momento a sua prisão, em que ele era o único com lucros na bolsa de valores norte-americana quebrada de 2008, seguido da pressão sofrida pela sua família; e acontecimentos de anos anteriores que explicam o seu perfil. Esse ping-pong proposto pelo roteiro do filho do diretor, Sam Levinson, de Bastidores de um Casamento (2011), Samuel Baum, criador de Lie To Me/Engana-me Se Puder (2009-11), e John Burnham Schwartz, de Traídos Pelo Destino (2007), o revela aos poucos, embora faça o público sentir o ritmo lento na parte final de suas duas horas e 13 minutos de duração.
Nesse desvelar, no entanto, é que O Mago das Mentiras encontra o seu maior êxito, ao inserir o retrato sociopata de Bernie não só nas amostras de suas relações íntimas e com os clientes, mas também na essência e estrutura da obra. Ao fazer como seu título, a produção é eficiente em aproximar o telespectador do protagonista, um investidor e consultor sacana que ao menos se mostra protetor de seus entes queridos e funcionários, até levá-lo a entender como o chefe de família dominava todos ao seu redor, especialmente o filho Mark, e gerar um sentimento de traição, mesmo o público já sabendo de seu crime desde o início do filme. A desconstrução deste muro de proteção em que ele cercou ou familiares, aliás, é o cerne da história, já que o fraudador os colocou sob a pressão da acusação conjunta da polícia e da opinião pública – pois como eles não poderiam saber, perguntavam todos – e, pior, minou o relacionamento deles, desunindo os Madoff até que a situação beirasse o insuportável.
Barry Levinson até faz uma crítica à espetacularização da mídia sobre o caso e como isso afetou a família, mas não deixa de apontar o dedo ao principal vilão, inclusive na sequência onírica do pesadelo do personagem nos seus últimos momentos em sua casa. É uma das passagens mais inspiradas do diretor, que teve Rock em Cabul (2015) como seu último longa, mas alcançou seu auge com Bom Dia Vietnã (1987) e Rain Man (1988), quando ganhou um Oscar, junto com a cena em que Madoff comanda os saques e investimentos em crise no meio de uma festa, embalado pela improvisação de jazz da banda do evento, que o cineasta faz questão de mostrar entre os planos entrecortados. A trilha sonora, aliás, traz outras leves ironias, como tocar Sweet Caroline quando Bernie celebra com os familiares, sendo que é justamente na Carolina do Norte onde ele, agora preso, continua acreditando que não causou tanto mal assim.
O Mago das Mentiras (The Wizard of Lies, 2017)
Telefilme (estreia) | Duração: 133 min
Canal: HBO | Exibição: Sábado, 20/05, às 22h
Horário alternativo: Segunda, 22/05, às 22h na HBO 2 | Terça, 23/05, às 20h5 na HBO | Quarta, 24/05, às 14h20 na HBO 2 | Quinta, 25/05, à 0h na HBO 2 | Sábado, 27/05, à 0h45 na HBO (veja outras opções no site)
Direção: Barry Levinson
Roteiro: Sam Levinson, Samuel Baum e John Burnham Schwartz, baseado no livro "The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust" de Diana Henriques
Elenco: Robert De Niro, Michelle Pfeiffer, Alessandro Nivola, Nathan Darrow, Hank Azaria, Kristen Connolly e Lily Rabe (veja + no IMDb)