ASSIM QUE ABRO MEUS OLHOS | Uma voz que se cala, uma voz que grita
Atualizado: 21 de abr. de 2020
“They heard me singing and they told me to stop” diz a voz do subúrbio que luta para sair dali, mas que é impedida de cantar no primeiro verso de Sprawl II (Mountains Beyond Mountains), da banda canadense Arcade Fire. Igual é a sina da jovem protagonista de Assim que Abro Meus Olhos (2015), que é também, por sua vez, a chegada de uma nova voz periférica no cinema, pois se trata do primeiro, e potente, longa da tunisiana Leyla Bouzid.
Premiado pelo público no Venice Days, no Festival de Veneza de 2015, o filme apresenta Farah (a estreante Baya Medhaffer), uma futura médica, aos olhos da família. Só que, aos 18 anos, a recém-formada não deseja a medicina em sua vida, e sim a música, para o desgosto da mãe (Ghalia Benali, curiosamente, uma cantora) que não a quer na banda que a garota formou com seus amigos, incluindo Borhène (Montassar Ayari), com quem começa a namorar. A difícil relação que Hayet tem com a filha se estabelece em uma complexidade comum a muitos pais, porque ela e o marido Mahmoud (Lassaad Jamoussi) já foram jovens libertários, mas agora estão acomodados na segurança de um emprego e de sua vida na classe média tunisiana, além do instinto materno de “proteger” a sua cria.
A princípio, a trama parece seguir o mesmo caminho de outras semelhantes, com o/a adolescente entrando na vida adulta, se rebelando para se encontrar. Porém, logo, o básico filme coming of age vai ganhando contornos sociopolíticos. As canções da banda vêm carregadas de letras de protesto – compostas por Ghassen Amani, com a música do iraquiano Khyam Allami – que em uma roupagem moderna, com sintetizadores e bateria eletrônica, ainda guarda o alaúde e lamento marcantes das músicas árabes, e que se torna aqui a lamentação de todo um povo.
Isso porque a história se passa em 2010, às vésperas dos protestos que culminariam na Revolução de Jasmim, na Tunísia, e consequentemente na Primavera Árabe. No entanto, essa é uma relação que o público estabelece por conhecimento prévio e pela tensão crescente, já que, em nenhum momento, o longa cita isso ou o nome do então ditador Ben Ali. O despertar de Farah para a vida adulta se confunde o do país para a sua situação política, desde a necessidade de seu pai se associar ao “Partido” para conseguir benefícios no trabalho – lembrando o que acontecia na Alemanha Nazista, por exemplo – até a repressão policial.
Bouzid faz questão de se prender somente a sua protagonista e não se perder tentando abraçar toda a problemática envolvendo as tensões políticas no país ou em todo o mundo árabe naquele período. Contudo, reside aí também o risco do filme não conseguir transmitir a todo o público um problema coletivo através desta trajetória individual.
A diretora obtém essa universalidade quando vai além das consequências da repressão às vozes libertárias e críticas, e aborda o cerceamento às mulheres em uma sociedade machista. Ele vem abruptamente dos policiais quando o longa entra em seu clímax, e também do namorado de ideias progressistas que se incomoda quando a jovem chama a atenção dançando na festa, além da preocupação da própria mãe. Mas esta mesma figura materna que proíbe, é a que a abraça e faz a filha voltar a si mesma em uma linda cena final.
Assim que Abro Meus Olhos (A peine j ' ouvre les yeux, 2015)
Duração: 102 min | Classificação: 16 anos
Direção: Leyla Bouzid
Roteiro: Leyla Bouzid e Marie-Sophie Chambon
Elenco: Baya Medhaffer, Ghalia Benali, Montassar Ayari e Aymen Omrani (veja + no IMDb)
Distribuição: Supo Mungam Films